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A ideia de que “o inferno, são os outros”, trazida à tona pelo filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre, é perfeitamente aplicável à nossa sociedade atual. Ela deveria servir de base para uma profunda reflexão, para todos. Alguns podem pensar de imediato: “com certeza, esse não é o meu caso. Eu não tenho necessidade de fazer tal reflexão”. Aí é que reside a semente de muitos problemas.
Hoje, mais do que em qualquer momento da história humana, as informações sobre o que ocorre no mundo, produzidas também por pessoas “comuns” (o que não ocorria antigamente), e em tempo real, estão disponíveis e compartilhadas pelas novas tecnologias globalizantes. Por meio dessas informações, ficamos sabendo de tudo que ocorre de extraordinário no mundo; por outro lado, nos deparamos com problemas que, de outra maneira, jamais saberíamos que ocorrem. Exemplo disso são os movimentos sociais e políticos no mundo árabe, denominados genericamente de “Primavera Árabe”. Se não fosse a divulgação feita pelos “anônimos”, através das redes sociais, talvez o mundo demorasse em saber o que de fato acontece naqueles países. O fato é que esse grande volume de conhecimento (apesar de possuir seu lado negativo) nos permite conhecer várias versões dos fatos, e as relações entre as causas/consequências/soluções dos diferentes problemas.
Hoje, muitos dos problemas são globais. As soluções, como não poderiam deixar de ser, também necessitam de ações globais, paralelamente àquelas locais. “Um só mundo”, “aldeia global”, “pensar globalmente, agir localmente”, e outros termos reforçam essa ideia. Nada de novo nessas afirmações, alguns devem pensar. No fenômeno mundial da Copa do Mundo, a noção de “mundo unido num só ideal” alcança um significado especial. Não há como negar que a emoção gerada pela confraternização da multidão de várias nacionalidades, dentro e fora dos estádios, numa versão “Torre de Babel que deu certo”, é contagiante. Todos unidos pela paixão ao futebol, mesmo que, no fim, a verdadeira alegria fique com apenas uma torcida (espero que seja a nossa...).
Mas, após a Copa, as demonstrações de alegria, união, confraternização e tolerância, que servem de bons exemplos para o mundo inteiro, tendem a se dissipar, mais cedo ou mais tarde. Um pouco mais tarde para os campeões, com certeza. E começaremos a lembrar de que existem desafios pela frente, que muitos problemas ainda permanecem sem solução. A Copa terá sido uma grande festa, mas que aos poucos será parte do passado. Provavelmente essa grande festa não irá gerar soluções aos problemas (nós, brasileiros, sabemos muito bem disso). No máximo, poderá gerar um orgulho patriótico momentâneo ao povo cuja seleção alcance a vitória final.
E para nós, do Brasil, toda a mobilização durante o grande evento, as manifestações de patriotismo à flor da pele, a defesa do país a todo o custo, o incentivo emocionado aos jogadores, irão se converter em que? Independente do resultado final, estamos preparados para manter, em uníssono, a defesa pelo Brasil, não só no futebol, mas manter essa energia para reivindicar, juntos, soluções para os problemas?
Voltemos então à ideia inicial. Temos a tendência de convergirmos nossa mobilização coletiva em momentos de festa, de alegria. Mas, quando se trata de canalizar a energia desse sentimento conjunto em defesa do nosso país, para as causas sociais, ambientais e econômicas – que necessitam de nossa atenção cotidianamente, e não apenas de quatro em quatro anos –, somos tomados por certa desmobilização, e começamos a ficar imobilizados, desmotivados, e de certa forma até mesmo conformados (algo que ganha força até mesmo na opinião internacional, apesar do grande sucesso que a “Copa das Copas” tem feito entre os “gringos”). No máximo, reclamamos para nós mesmos, ou para quem está próximo a nós, ao vermos mais uma daquelas notícias absurdas, que voltarão como uma enxurrada, após a aparente calmaria durante as semanas do grande evento esportivo. 
Muitos, entretanto, simplesmente esquecerão o senso coletivo que perdurou durante a torcida pelo possível hexacampeonato, para mergulharem no individualismo do dia-a-dia, levados em parte pela “correria” que nos absorve. E, ao se defrontar com algum problema, muitos continuarão se eximindo de quaisquer responsabilidades. Se o trânsito é caótico, se a educação não possui qualidade, se a poluição ou a violência aumentam, com certeza eu não tenho nada a ver com isso – pensam. A culpa é do governo, das grandes empresas, do meu vizinho. A culpa sempre será dos outros. O inferno são os outros!
Quem é o culpado pelos problemas? Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):

Mas, quem são os outros? Para mim, qualquer um que não seja eu é o outro. Mas, do ponto de vista das outras pessoas, eu também faço parte dos outros. Mais uma vez, alguém vai achar isso óbvio. Então, por que perante a obviedade, os problemas persistem, e alguns até se agravam? Quando os indivíduos apontam o outro como responsável pelos problemas, abstendo-se da responsabilidade pelos seus próprios atos, gerando ainda mais problemas, ninguém (ou pelo menos a maioria) age em busca de soluções. 
Devemos abandonar essa ideia de apontar sempre o outro como o culpado, e assumirmos nossa parcela na culpa. Se o governo não faz a sua parte, é por que nos abstemos em cobrar de maneira mais eficaz as ações de quem nos representam. Aliás, muitos já “tiram o corpo fora” no momento da escolha dos nossos representantes. Ou, pior, escolhem alguém para representar/administrar o que é de todos, achando que o seu papel termina quando os teclados da urna eletrônica foram apertados. Devemos cobrar constantemente ações mais eficazes do Poder Público, sem dúvida. Mas não é o suficiente. Dentro da sociedade, do meio profissional, na família, funcionamos em conjunto com os demais. Se eu não faço minha parte, estou dando minha contribuição para gerar mais problemas para os outros. 
Um exemplo prático é o trânsito caótico. A reclamação perante os congestionamentos é unânime. Mas são poucos que se consideram parte do problema. Em São Paulo, quando foi implantado o rodízio de automóveis, uma medida que não resolve o problema, mas tenta amenizá-lo, um grande número de pessoas esbravejou inconformadamente contra essa medida. O responsável pela criação do projeto recebeu telefonemas agressivos, e algumas pessoas até o ameaçaram de morte. Como o projeto foi implantado definitivamente, o que muitos fizeram? Muitas pessoas simplesmente adquiriram um segundo veículo, para burlar o rodízio. Todas essas pessoas, que vivem em uma das maiores aglomerações urbanas do mundo, agiram de maneira individualista, diminuindo a eficácia de uma iniciativa em prol do bem-comum. Todos querem que o problema seja solucionado, mas nem todos aceitam fazer a sua parte. Como se uma coisa pudesse ser separada da outra.
Assim, enquanto não assumirmos nossas responsabilidades, os problemas persistirão. Ter em mente que fazemos parte de uma coletividade, e que precisamos nos reconhecer como parte dos problemas, abrirá o caminho para que as soluções possam surgir. Antes de cobrar do outro, devo fazer a minha parte. Ninguém muda o mundo sozinho. Mas a mudança deve começar individualmente. Só podemos exigir que a sociedade se transforme, se tomamos a consciência do nosso próprio papel. Cabe a cada um de nós decidir se queremos fazer parte dos problemas ou das soluções.
O sucesso do ser humano vem do trabalho coletivo. Mas hoje se percebe que as pessoas estão cada vez mais individualistas. Por isso, precisamos estimular o senso de coletividade, da empatia, das responsabilidades individuais e coletivas, em uma busca conjunta pelo sucesso da sociedade. E não apenas em um momento tão especial como a Copa do Mundo. Devemos fazê-lo também nos momentos em que a busca pelo bem-comum está em jogo. Aquele que jogamos todos os dias, no qual a vitória deve ser como no futebol: coletiva. Depende de mim, depende de você... Depende de todos!

Prof. Anderson Tavares de Melo
Professor de Geografia do CSC

 



(1) comentários

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COMENTÁRIOS

Soraya Kobner04/07/2014 às 10:30:46

Parabéns pela visão Professor Anderson, são exemplos como esse que nossos jovens precisam. Você conseguiu transcrever o que também compartilho em pensamento, afinal, acredito que todos somos UM!